sábado, 22 de janeiro de 2011

Guilherme Arantes: 35 anos de um talento genuinamente natural

Em uma canção muito famosa e festejada, Caetano Veloso preconizou que São Paulo “é o avesso do avesso do avesso” (Sampa). Quando se referiu à questão, certamente pensou em vários aspectos da cidade, mas, basicamente, na sua relação com as artes. Do início do século passado até sua metade, São Paulo era absolutamente provinciana. Era também apenas local de passagem para outros lugares, como sempre fora. E era bilíngüe: Português e Italiano conviviam em perfeita harmonia. Não é por acaso que em São Paulo ainda hoje se toma um “espresso” em uma cafeteria ou se come um “gnocchi” em uma cantina. E não foi, também, por acaso, que Adoniran Barbosa compôs o Samba Italiano (Piove).

Nos anos 1920, São Paulo deu lugar à “Semana de Arte Moderna” (1922) de Mário e Oswald de Andrade. Nos anos 1920 até 1940, enquanto o Rio de Janeiro vivia a era de ouro do rádio, São Paulo recebeu grandes contingentes de populações imigrantes de várias partes do mundo, o que, a rigor, acontece até hoje.

Nos anos 1950, São Paulo, ainda pouco populacional, é a pioneira na instalação da televisão brasileira. Nos anos 1960, vê os musicais tomarem conta da TV. E havia lugar, na TV Record, para todas as tendências musicais: da chamada Velha Guarda à emergente Jovem Guarda. Depois, São Paulo e a TV Record deram espaço para a Tropicália.

Os anos 1970 foram reflexo do AI5. A Record e a Excelsior (pioneira das novelas com a Tupi) entram em colapso econômico. Incêndios queimam a memória da nossa TV. A Rede Globo, íntima do poder, se fortalece e se inicia na produção em série de telenovelas e de festivais de música, que, como os da Record, revelariam nomes importantes para a depois chamada MPB – esse novo gênero musical.

Entre os anos 1950 e 1970 a televisão reflete os gostos e os anseios da classe média adulta. Mas, não será por acaso que a indústria fonográfica crescerá quase 700%, nesse período. É o efeito-mesada - uma conquista do jovem daquela geração - antes praticamente desconhecido. É o reflexo do “milagre econômico”. Do governo militar. E não será por acaso que a música jovem invadirá os anos 1980, fato que ocorrerá também com o cinema e com a TV. O marketing (re)descobre o jovem. Menos permeável aos desencantos do consumismo, ele é o “comprador padrão” daquela década. Produções juvenis vão invadir a TV. Atores e cantores que refletem seu anseios também vão.

Mas, como o jovem é insatisfeito por natureza, sempre surgirão “estéticas alternativas”. E São Paulo sempre teve clima para isso. O crítico Lauro Lisboa Garcia diz: “A vocação cosmopolita e transformadora da cidade, obviamente, está longe de ser novidade . Basta lembrar movimentos como a Jovem Guarda e a Tropicália, além dos históricos festivais de música popular brasileira, deflagrados aqui na década de 1960. O baiano Tom Zé, o maranhense Zeca Baleiro, as mineiras Wanderléa e Maria Alcina, o paraibano Chico César, entre outros, se estabeleceram aqui e trocam impressões com nativos da Paulicéia, como Arnaldo Antunes, Curumin, Luiz Tatit, Tatá Aeroplano, Edgar Scandurra, Leo Cavalcanti, Tulipa Ruiz, Beto Villares, Marcelo Jeneci. (Estadão, 01/01/11).

Assim, embora ninguém ainda tenha se atrevido a dar nome a ela, não há dúvida de que vivemos, na cidade de São Paulo, nesses anos 2000, uma, digamos, “Nova Vanguarda Paulista”. E, em 2010, com lançamentos de peso na cena "alternativa", a cidade enfim teria sido reconhecida como o pólo produtivo mais representativo da década” .

Pra quem não se lembra, entre 1979 e 1985, mais ou menos, aconteceu, nessa mesma cidade, um movimento musical, paralelo ao movimento “mainstream pop” do Rio de Janeiro e que contava com nomes como Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Tetê Espindola, Grupo Rumo, Premê, Língua de Trapo, entre tantos outros. Em 2009, uma festa no Sesc Consolação (SP) comemorou a data, com direito à gravação de um documentário a ser lançado futuramente.

O tempo passou, as crianças cresceram e olha só: a filha de Itamar é a Anelis Assumpção. A filha do Mário Manga (Premê) é a Mariana Aydar. Iara Rennó é a filha de Tetê e Carlos. Anelis e Iara formaram a Banda Zica com a Andréia Dias – muito reconhecida na década. Laura Lavieri, companheira inseparável de Marcelo Jeneci, é filha de Rodrigo Rodrigues, do Música Ligeira (Rodrigues, Manga, Tagliaferri). Léo Cavalcanti é filho do músico e cineasta Péricles Cavalcanti.

Outras bandas como Vanguart (Cuiabá), Móveis Coloniais de Acaju (Brasília), Mombojó (Recife) e Cérebro Eletrônico (São Paulo, liderada por Tatá Aeroplano), e de outros estados, completam a cena. Mas tem muito mais gente.

Tulipa Ruiz, por exemplo, é filha de Luiz Chagas - da Banda Isca de Polícia, que acompanhava Itamar Assumpção. E Marcelo Jeneci parece ser a grande exceção à regra – não pertence à classe média e seu pai, ao invés de artista, era um especialista em consertar instrumentos musicais, em Guaianases, na grande São Paulo, onde Jeneci nasceu.

Do ponto de vista geográfico, na cidade, desde a “primeira vanguarda” o eixo se deslocou do Teatro Lira Paulistana (Pinheiros) e do Sesc Pompéia para os teatros do chamado “Baixo Augusta” – basicamente o Studio SP - e de casas da Vila Madalena – entre elas Espaço Soma e Estúdio Emme. No caso da Augusta, essa cena pop-MPB mantém-se em pacífica convivência com a cena do rock, igualmente efervescente na cidade. Essa cena ampliada da música paulista convive, também, com a tradicional boemia das boates da área da Rua Augusta.

E, nesse momento, os grandes nomes dessa cena parecem ser, mesmo, Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci. Os premiados do ano que acaba. E o nome emergente é Karina Buhr (Ex-Comadre Fulozinha, banda de Recife).

Mas, o mais interessante disso tudo é que Marcelo Jeneci, vejam só, tem sido muito comparado a Guilherme Arantes. Que curioso, pois, nós, que conhecemos bem a ambos, nem vemos tantas semelhanças assim. Mas, vejamos. Recentemente, no programa Radar Cultura, onde foi entrevistado, Jeneci mandou um recado para Arantes e disse: “Guilherme, você tem muitas músicas a compor, ainda”, em uma clara alusão a uma amizade recente, entre ambos, a partir de sua visita a Guilherme, que cumpria temporada no Bar Brahma, em maio do ano passado.

A matéria publicada pelo Último Segundo, em 30/11/2010, e assinada por Pedro Alexandre Sanches, foi a que primeiro constatou “tais supostas semelhanças”. Existem, de fato, algumas coincidências, mas não muitas. Ambos são paulistanos da gema, começaram profissionalmente aos 15 anos de idade, tocando com grandes nomes – Arantes tocava com Jorge Mautner e Jeneci com Chico César. Ambos têm como instrumento principal o piano. Jeneci também toca harmônica. Ambos foram lançados ainda muito jovens, cerca de 25 anos, pela Som Livre.

Em termos musicais, em suas letras, Marcelo Jeneci faz algumas alusões à água, e à chuva, apenas alguns dos muitos elementos poéticos desenvolvidos por Guilherme Arantes nas suas mais de 500 canções editadas - mas não os únicos temas - como sabemos. E tudo indica que as semelhanças morrem por aí.

Sem, no entanto, nenhum demérito ao músico Marcelo Jeneci, que apenas inicia a sua, Guilherme está na carreira há 35 anos (37 contando os 2 com o Moto Perpétuo), já gravou 25 Cds com músicas inéditas, esteve na trilha de 25 novelas além de dezenas de Coletâneas lançadas e relançadas por gravadoras.

Jeneci, que mantém contratos exclusivos com a Som Livre e a Natura Musical, lançou recentemente seu primeiro CD “Feito Pra Acabar”. E, claro, boa parte do seu reconhecimento se deve ao seu trabalho como compositor e músico de caras como Arnaldo Antunes, Zé Miguel Wisnik, Luiz Tatit, Vanessa da Mata…. Marcelo Jeneci faz parte de uma geração em que as canções não são mais instrumentos políticos. Não há a necessidade de críticas. A letra pode ser bela por si. É até por isso que ídolos e artistas da MPB com tais características voltam a ser citados como referências.

Mas, a par disso tudo, o que se vem notando, é que o trabalho de Guilherme Arantes vem sendo elogiado e reconhecido por todas as tribos da música brasileira. Da MPB ao rock. Do underground ao instrumental. No primeiro vídeo abaixo, Ivan Vilela, grande violonista paulista, e Maurício Pereira, ex-Os Mulheres Negras, e ex-parceiro de André Abujamra, três ícones da música de São Paulo, definem a importância de Guilherme Arantes na cena paulista, muito festejada já no cultuado cd Coração Paulista - de 1980 – contemporâneo à vanguarda dos anos 1980, embora não pertencesse à ela.

No segundo vídeo, também ligado ao Projeto Música de São Paulo, o lendário executivo da indústria fonográfica, Pena Schmidt, atualmente coordenador musical do Auditório Ibirapuera (SP), onde Guilherme Arantes tocou por três horas e meia em fevereiro do ano passado (!), apenas acompanhado de seu piano, descreve a personalidade singular do artista desde sua formação progressiva no Moto Perpétuo.

Depois, Guilherme, como sabemos, trilhou pelo pop, pela MPB, pelo instrumental new age. Em 2011, completa, portanto, 35 anos de carreira, desde que deixou o também já cultuado Moto Perpétuo para se lançar em carreira solo, com Meu Mundo e Nada Mais, de 1976, também tema da novela “Anjo Mau”.

Para finalizar, é impossível, nesse momento por que passa a música no Brasil, não se lembrar de uma das frases célebres de Cazuza: "Meus heróis morreram de overdose"... Não necessariamente ele se referia a uma overdose da mídia - mas, sem dúvida, ela hoje enfia "goela abaixo”, sem qualquer constrangimento, os chamados "sucessos" e "sucessores". Desculpe, Cazuza, mas nesta overdose impositiva da mídia, você estava absolutamente errado!!!


Textos originalmente publicados por

Planeta Guilherme Arantes

http://www.planetaguilhermearantes.com/



























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